Às vezes
penso em como tenho progredido na vida, sobretudo neste último emprego. Jamais
sonhara com tantas regalias. Até o final do ano é certo que participarei de um
curso de especialização na Flórida, com tudo pago pela empresa. Tenho
aproveitado minhas horas de folga no começo da madrugada para aperfeiçoar o meu
inglês com aulas pela internet, afinal, é a minha contrapartida a tudo o que a
empresa vem fazendo por mim.
A cada dia
são maiores as provas da minha importância para seu funcionamento. No meu
setor, pouco se faz sem o OK final aqui do gerentão full-time. As
mensagens e os e-mails, não fosse a constância com que os respondo, entupiriam
as minhas caixas postais. Se, por qualquer razão (um cochilo na tarde do
domingo) não atendo de pronto às indagações dos vendedores, meu chefe irrompe
na tela para lembrar-me que esse cochilo pode significar milhares de reais não
faturados pela empresa.
Talvez por
isso estejam acenando com a possibilidade de colocarem um carro locado à minha
disposição. Não faz tempo, fui perguntado sobre os modelos de minha
preferência. Claro que chutei lá em cima: esportivo, ar, direção, navegação,
som high-tech & coisa e tal. Ainda não deram resposta e
desconheço se o presente virá com motorista. Prefiro que não, invadiria minha
privacidade. De qualquer forma, pretendem, óbvio, que eu supervisione os
interesses da firma in loco. É verdade que assim, nos finais de semana,
não mais poderei permanecer em simples stand by ao lado da família.
Contudo, há prova maior da consideração que a empresa tem por mim?
É o que vivo
explicando para mulher e filhos que, sem visão empresarial, insistem nessa
história de convívio familiar. Concordo que seja algo legal, mas enquanto dá
certo. Todavia, considerando a minha carreira – vertiginosa, não se pode negar
– sou forçado a priorizar outras coisas. É para o meu bem, para o bem da
família e também da empresa a quem devo tudo na vida: traje social diário,
almoços de negócio em bons restaurantes, smartphone, carro do ano,
quilometragem free, destaque, bom salário, seguro-saúde, reuniões
em resorts, cursos no exterior, viagens aéreas e milhas decorrentes – até de
helicóptero já voei a serviço.
Tenho que me
dedicar cada vez mais – eu sou a empresa, ela será o que eu e meus colegas
decidirmos. Na verdade, muito mais o que eu decidir. Um dia, assim como já
acontece no Japão, meus familiares irão compreender que ela, a empresa, precisa
mais de mim do que eles. Se for imperativo que eu me mude para a minha sala de
trabalho, saibam todos que mudarei sem hesitar – e não estarei fazendo nada
mais do que a minha obrigação.
Autor:
Jesus Guimarães é amigo e ex-prefeito da cidade e Tupã, no interior do estado de
São Paulo, localizada a 520 quilômetros da capital, com uma população de 62.256
mil habitantes, segundo dados de 2007.
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