Eu acho que ninguém, ou quase ninguém,
gosta de pagar impostos, não só aqui no Brasil, mas em muitos países do nosso
planeta azul.
É um grupo enorme de pessoas – esse que
não gosta de pagar impostos - no qual me incluo. A minha percepção, como a de
muitos pelo mundo afora, é que se paga impostos demais e se recebe, em
contrapartida dos governos, serviços públicos de menos.
Eu questiono sempre como o dinheiro dos
impostos é usado pelo governo, e não me refiro especificamente ao governo
atual, mas a todos os governos nesses últimos anos. No Brasil, a última vez em que
a tabela do imposto de renda foi atualizada aconteceu em 2015, quando se usou
5,60% como índice de correção, enquanto o IPCA (Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo), medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) foi de 10,67%. Muito injusto. Mas, de todo modo, injustiça mesmo
está na forma como os impostos são cobrados.
O Brasil está entre os países do mundo
que mais taxam sua população pobre. Isso acontece porque a carga tributária
brasileira está concentrada nos impostos indiretos (como o ICMS, o IPI, dentre
outros), que consistem em taxas sobre o consumo inseridas nos preços de toda e
qualquer mercadoria, sendo que 49,7% dos impostos são recolhidos dessa forma.
Nesse aspecto eu entendo que o Brasil deveria tentar se aproximar do que é
praticado em outras nações. Por exemplo, em países da OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne as nações mais desenvolvidas
do mundo, a tributação sobre o consumo é, em média, de 32%.
O que os tributos representam
Os tributos
são os recursos arrecadados pelo governo, que devem ser
revertidos para o bem comum, usados para investimentos e custeio de bens e
serviços públicos. A forma de reverter o dinheiro arrecadado com os tributos é
estabelecida através de políticas públicas e das Leis. De acordo com a
Constituição e as Leis, o Estado deve sempre buscar a promoção do bem estar
social e isso inclui a segurança pública, a educação, a saúde, a construção de
estradas, a existência de um Poder Judiciário, apenas para citar alguns
exemplos. Com o recolhimento de tributos o Estado tem os recursos para pagar salários
de policiais, médicos, professores, advogados e outros servidores, contratar
empresas para realizarem obras, comprar materiais, máquinas e equipamentos,
além de muitas outras ações.
A tributação é uma escolha política
e social. O governo recolhe o dinheiro dos tributos e o devolve na forma de
serviços públicos. Então, em resumo, para que as pessoas tenham serviços
públicos é necessário que um país recolha tributos.
Como dissemos, a tributação é uma
escolha política e social, uma vez que cabe ao mesmo governo que recolhe o
dinheiro dos impostos a missão de devolver para a sociedade esse dinheiro na
forma de serviços públicos.
Sucateando de propósito
A mim parece óbvio que a
prestação dos serviços públicos precisa melhorar muito e que o caminho dessa
melhoria não passa pelo sucateamento das instituições. Mas, como é feito esse
sucateamento? O governo deixa de fornecer recursos para um determinado setor (e
suas instituições) e essa falta de recursos causa uma piora em seu
funcionamento. Depois de algum tempo, com o quadro piorando e a qualidade dos
serviços públicos decaindo, isso serve de argumento para convencer as pessoas
que é melhor entregar a responsabilidade pela prestação daqueles serviços para
o setor privado. Isso é feito através dos processos de privatização.
A privatização é o processo de
transferência de órgãos ou empresas estatais para a iniciativa privada por
meio, geralmente, de leilões públicos. No governo Fernando Henrique (1995-2003)
foram privatizadas mais de 100 empresas.
Os defensores das privatizações
no Brasil argumentam que a administração pública centralizadora é bastante
precária, impede a evolução das empresas e trava a economia. Com as
privatizações, a lucratividade dessas instituições elevar-se-ia, gerando mais
riquezas (embora essas mesmas riquezas não mais pertençam ao poder público, e
sim aos grupos de empresários investidores). No núcleo dessa proposição está a
minimização dos gastos com a folha salarial, uma vez que são feitos cortes de
funcionários e, sempre que possível, os cargos passam a ser terceirizados. A
privatização não cria empregos. Para se ter uma ideia, entre 1995 e 2005, o
número de empregados em empresas privatizadas nesse período caiu de 95.000 para
28.000 trabalhadores, assinalando uma queda superior a 70%. Enquanto isso,
nessas mesmas empresas, a lucratividade saltou de 11 bilhões de reais para 110
bilhões de reais, um aumento de 900%.
As grandes corporações – grandes
empresas transnacionais, grandes bancos - são as empresas que participam
diretamente das privatizações. Essas grandes empresas estão preocupadas com a
transformação digital, com o uso cada vez maior da automação, da robótica e da
inteligência artificial, e com isso ganhar vantagem competitiva para alavancar
seu crescimento e redução de custos, além de pavimentar seu caminho para o
futuro. Essa estratégia não gera empregos, faz justamente o contrário.
Será que ninguém liga para o povão?
Não dá pra fechar o SUS e
entregar a atendimento da população para as empresas de planos de saúde. O povo
não conseguirá pagar os altos preços cobrados. O Brasil precisa melhorar o SUS,
não sucatea-lo. Apenas para servir de contraponto, lembremos que nos EUA as instituições
privadas são responsáveis pelos convênios médicos e a única forma de receber
atendimento é pagando um convênio particular, com a seguinte ressalva: as
pessoas abaixo da linha de pobreza e os idosos (com 65 anos ou mais) são os
únicos beneficiados por serviços gratuitos como o Medicare e Medicaid, que
prestam apenas atendimentos mais simples e de emergência. A forma mais comum de
obter um plano de saúde é trabalhando em uma empresa que ofereça o benefício
aos funcionários. Entretanto, grande parte dos americanos não é beneficiada por
essa prática e não tem dinheiro suficiente para pagar um convênio médico. Além disso, para aqueles que têm plano de
saúde, é preciso pagar uma espécie de franquia, chamada “deductible”, na hora
de contratar o plano. Por exemplo, se uma pessoa contratar um seguro saúde cujo
“deductible” (franquia) é US$ 3 mil, significa que – no momento de usar e ser
atendido em uma clínica ou hospital - a seguradora só começará a cobrir os custos
depois que esses US$ 3 mil iniciais forem gastos.
De acordo com a PFARMA, estima-se que um dia de
tratamento em um hospital nos EUA custa US$ 4.293. Como os cuidados médicos
custam caro, muitas pessoas nos EUA deixam de ir ao médico para não gastar –
tanto os que não têm convênio, quanto os que têm, pois a cobertura médica
oferecida pela empresa privada nunca é completa. Por conta disso, geralmente,
os americanos só recorrem aos cuidados médicos quando a situação já é grave.
Do mesmo modo, não dá para fechar as
universidades públicas e entregar o ensino superior para as instituições
privadas de ensino. Essas instituições particulares – onde o ensino é um
negócio que deve dar lucro - não têm como primeira prioridade a qualidade do
ensino e a pesquisa científica, mas o que vem em primeiro lugar é ganhar muito
dinheiro. Novamente, se pensarmos nos EUA, um país com nível de ensino superior
de alta qualidade, devemos notar que tanto as universidades públicas quanto as
privadas cobram mensalidades dos alunos, podendo o custo de um curso de
graduação variar entre US$15.000 à US$35.000 por ano. Não
se deve perder de vista que no Brasil a população tem necessidades e
características próprias e precisa do ensino público e gratuito. Gastar o
dinheiro público com educação é um dinheiro muito bem gasto.
Se pensarmos na estrutura de
prestação dos serviços públicos em nosso país, o mantra deve ser buscar
melhorias ao invés de simplesmente fechar as instituições públicas. Não devemos
apoiar políticas de sucateamento das universidades e da escola publica, do fim
do SUS, que resultem em baixos salários e péssimas condições de trabalho para
policiais, apenas para citar alguns exemplos. O governo precisa retomar os
investimentos, aprimorar os processos, criar melhores mecanismos de controle
para melhorar o serviço público. Afinal de contas, o que é público é de todos.
Eu não concordo com o chamado desmonte do Estado brasileiro. Essa conversa de
reduzir os gastos públicos significa, na prática, prestar menos serviços para a
população. O que diz a Constituição deve ser respeitado e isso inclui direitos
sociais e deveres do Estado.
Não dá pra fazer como
muitos vilões de gibis de super-heróis costumam alardear: “- Vamos acabar com
tudo, destruir tudo pra fazer de novo”.
O ser humano é
competitivo e essa característica aparece na luta pela existência, desde quando
nossos ancestrais tiveram que caçar, lutar e matar para sobreviver. Na
sociedade moderna a competição não desapareceu, ao contrário, aumentou. Ao
mesmo tempo, o ser humano progride quando vive em grupos sociais e coopera. A
cooperação é real e aumenta com o desenvolvimento social, sendo uma ferramenta
que ajuda o grupo a competir com outros grupos. Assim, os grupos ajudam e protegem
seus membros.
As pessoas são
diferentes. Sempre haverá desigualdade entre as pessoas e isso se refletirá em
desigualdade dentro do grupo social. Mas é evidente que reduzir a desigualdade
social faz sentido quando existe cooperação na busca do desenvolvimento social.
Apesar de todos os
defeitos, e não são poucos, a democracia é a melhor forma de organizar e de
governar as nações. O estado democrático de direito – incluindo direitos
individuais e sociais - é uma grande conquista da humanidade.
Eu não gosto de pagar
impostos, mas sei que no mundo real, aqui e em outros países, o dinheiro dos
tributos é muito importante quando pensamos nos serviços públicos que são
prestados usando esse dinheiro. É evidente que precisamos melhorar! No mundo
real não existem soluções milagrosas, sendo preciso encarar cada situação de
frente, identificando e analisando os problemas, com criatividade, mas sem
tirar os pés do chão, evitando os erros já cometidos no passado, comparando o
que fazemos com as soluções de outros países, verificando o que serve e é bom
para o nosso caso na busca por melhorias. Um trabalho diário, penoso e difícil.
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