terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A Piada dos 3 Envelopes

Essa piada é um tipo de estorinha que já deve ter sido contada inúmeras vezes e que nem é tão engraçada assim. O que vamos fazer nesse post é explorar um pouco mais as ideias nela contidas. Então, vamos lá! 
 


Carlos recentemente assumiu um projeto complicado. Há problemas nas entregas e conflitos na equipe e ele, como o novo gerente de projetos, lembrou que Alfredo, o gerente de projetos anterior, tinha lhe deixado 3 envelopes, com a orientação de abrir o primeiro quando o projeto tivesse problemas. Os outros dois envelopes deveriam ser mantidos fechados e guardados para situações futuras. Esse era o caso de agora! Nervosamente, Carlos abriu o primeiro envelope e estava escrito o seguinte: - Coloque a culpa no seu antecessor. Carlos, sem dó nem piedade, chamou a equipe do projeto e culpou Alfredo pelos problemas. Com isso, o pessoal da equipe decidiu voltar ao trabalho e o projeto seguiu em frente. Poucos meses depois os problemas voltaram ainda mais fortes e Carlos abriu o segundo envelope, encontrando a seguinte mensagem: - Coloque a culpa no ambiente externo. Carlos então reuniu-se com a equipe e, munido de gráficos e tabelas, passou a reclamar da globalização, da crise financeira, etc e tal, e mais uma vez o projeto seguiu em frente. Passaram-se mais alguns meses e os problemas no projeto voltaram ainda mais graves e isso fez Carlos abrir o terceiro envelope, revelando a seguinte mensagem: - Está na hora de preparar três envelopes.   

A estorinha acima é velha, mas é boa para mostrar alguns truques usados pelos maus gestores que, simplesmente, tentam escapar dos problemas, sem resolvê-los. Culpar a pessoa que estava antes, que era o responsável pela coordenação da equipe, é uma atitude típica de transferência de responsabilidade do resultado ruim para outros. É um ataque fácil, pois quem está sendo acusado não pode se defender, por estar longe do projeto, em outra parte na organização, exercendo função diferente ou, como na maioria das vezes, fora dela, por ter sido afastado. A “estratégia” de chutar cachorro morto surge muito rapidamente como saída perfeita de uma crise. Afinal, cachorros mortos não mordem! Colocar a culpa no gerente de projetos anterior funciona bem, até porque a existência de gerentes ruins é um fato da vida. Estes indivíduos costumam se esconder do trabalho, empurrar os prazos para os outros, gostar de segredinhos e agir sem o devido senso de justiça com seus subordinados. Além disso, não são hábeis na resolução de problemas, temem o feedback da equipe, não são equipados com as ferramentas de análise e erram em suas conclusões, ou decidem prematuramente e sem base sólida, dentre outros defeitos. Por sua vez, os colaboradores de forma geral, e especialmente aqueles que usam seu tempo da forma mais produtiva possível para a organização, não se sentem confortáveis com esses maus gerentes. Também não é para menos!     

Um artigo publicado pela AMA (American Management Association) dá conta que chefes abusivos parecem ser comuns na força de trabalho. Uma pesquisa feita em 2007 pela Employment Law Alliance (ELA), envolvendo 1000 pessoas adultas, mostrou que 44% dos trabalhadores americanos se reportavam para um supervisor que consideravam abusivo. Entre os casos de abuso que os entrevistados da ELA tinham testemunhado ou experimentado, estavam as piadas sarcásticas (60%), as críticas públicas ao desempenho no trabalho (59%), interromper de uma maneira rude (58%), gritar ou elevar a voz (55%) e ignorar o colega de trabalho como se fosse invisível (54%). Seria isso coisa antiga apenas, somente registrada em 2007? Uma matéria de Caroline Marino, publicada na revista EXAME em 2013, trouxe o seguinte trecho: “A pressão por resultados, a carga excessiva de trabalho e a alta competição são responsáveis por despertar o mau comportamento dos profissionais, segundo as professoras Christine Porath, da McDonough School of Business, e Christine Pearson, da Thunderbird School of Global Management, ambas nos Estados Unidos. “Eles dizem que não têm tempo para ser agradáveis”, afirma Christine Porath”. Mais adiante, a matéria apresentava que “desde 1998, a dupla de acadêmicas já entrevistou mais de 14.000 profissionais americanos e constatou que praticamente todo mundo (98%) já presenciou atitudes rudes no trabalho”. Infelizmente, e por aqui não é diferente, tudo indica que esse tipo de comportamento ainda está muito presente nas organizações. Parece que ninguém está preocupado com cordialidade e gentileza. Se tiverem que apontar o dedo e culpar alguém, farão isso sem qualquer constrangimento. Por isso, não é improvável que muita gente pense em seguir o conselho do primeiro envelope.

Mas não devemos esquecer que a piada dos 3 envelopes conta uma estorinha que tem um componente de tempo. Aqui não se trata de eximir de responsabilidade o gerente antecessor.  Ele cometeu erros e por isso perdeu sua posição na organização. Só que a estorinha considera que o tempo passou e que o gerente atual aproveita falhas ocorridas no passado (de responsabilidade do gerente antecessor) e as transfere como sendo a causa das falhas presentes (para fugir da responsabilidade). Esse é o truque que deve nos deixar atentos! Mas alguém poderia dizer que há situações reais em que o antecessor deixa o projeto em uma condição tão ruim que não é exagero dizer que estamos caminhando em “terra arrasada”. Sim, já dissemos acima que existem maus gerentes e que isso, portanto, pode realmente acontecer. Mas, novamente, devemos ficar atentos para não cair no truque de simplesmente trazer os problemas do passado sem analisar a situação no tempo presente.

Depois vem a desculpa de culpar o ambiente externo, outra forma muito usada de transferência de responsabilidade do resultado ruim para algo que está absolutamente fora do controle do gestor. O ambiente externo inclui os fatores econômicos, políticos, sociais, competitivos e legais. Mas, como isso funciona?

Uma matéria da revista Carta Capital, de Thomaz Wood Jr., publicada em 2014, com o título “A culpa não é só dos astros”, faz a seguinte análise da indústria brasileira: “A manufatura encolhe, os empregos desaparecem, a competitividade é baixa e o moral está abalado. Nos últimos anos, com o crescimento da renda, a demanda aumentou, mas foi em grande parte suprida por produtos importados. Os vilões são fortes e numerosos: incoerência entre a política macroeconômica e a política industrial, taxas de câmbio desfavoráveis, juros altos e desregulamentação atrapalhada. Resultado: desindustrialização”. Notem que todos são fatores externos, que as empresas não podem controlar. Todavia, essa mesma matéria rebate essa ideia dizendo que nem tudo, nesse quadro negativo da indústria nacional, pode ser atribuído aos famosos fatores externos. A matéria complementa com a seguinte afirmação: “Na ponta externa, a competitividade depende dos chamados fatores sistêmicos e estruturais: ambiente macroeconômico, taxa de câmbio, acesso a capital, regulação, porte do mercado, configuração do setor, concorrência e outros mais. São componentes importantes. Porém, na dimensão interna, a competitividade é função de diversos fatores ao alcance dos empresários e executivos. E nem sempre são bem cuidados. O setor industrial brasileiro evoluiu de forma heterogênea desde a abertura do mercado e as mudanças econômicas ocorridas nos anos 1990. Algumas ilhas de excelência emergiram, mas o arquipélago continua cheio de ilhotas anacrônicas. Uma pesquisa realizada há alguns anos por Luiz Arthur Ledur Brito, da FGV-EAESP, e por este escriba avaliou dez práticas gerenciais de 163 empresas locais de 20 setores de atividades e comparou os resultados com os de outros países. Apenas 3% das empresas industriais apresentavam nível de excelência”. Isso significa, segundo o autor da matéria, que as empresas fazem muito pouco, ou quase nada, para melhorar e culpam o ambiente externo por suas mazelas. Que malandros, não acham? Ei, vamos com calma, também não é assim. Como o artigo comenta, é preciso analisar cada caso e ver quem está fazendo o dever de casa e quem apenas coloca “a culpa nos astros”. O ambiente externo é, sem qualquer sombra de dúvida, um fator importante que impacta os negócios das empresas. Esse é um fato da vida.

Bem, e como devemos lidar com tudo isso? Ao invés de gastar o tempo da organização com desculpas esfarrapadas e antigas, o novo gestor deve fazer uma análise da situação presente, antes de seguir em frente com o projeto. Obviamente, nada de envelopes. Apenas uma análise que seja capaz de mostrar à quantas anda o projeto, se o mesmo tem condições de prosseguir e, já sendo proativo, apresentar um plano com as ações necessárias, sejam estas corretivas ou preventivas, para ser devidamente aprovado pela direção da organização. Se essa análise mostrar que o projeto deve ser encerrado, uma vez que atingiu um ponto em que não é mais possível que suas metas sejam alcançadas, que seja então terminado. Se, por outro lado, por qualquer que seja a razão, não for permitido ao novo gerente de projetos fazer uma análise objetiva de um projeto já começado por outro gestor e que está com problemas, antes de assumir efetivamente a responsabilidade pelo mesmo, esse gerente vai estar em duplo risco: além de pegar o bonde andando, estará em voo cego. Bem é isso aí! Até a próxima.

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