quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Possíveis Reflexões de um Jovem Executivo

Tão logo fui admitido na empresa recebi um notebook como brinde. Passado algum tempo, agraciaram-me com um celular top de linha, uso ilimitado dentro ou fora do escritório – são benefícios a que tenho direito como Gerente de Negócios. Até em viagens particulares posso usá-los, aliás, o chefe me quer sempre a seu alcance, pois precisa da minha assessoria para tomar decisões. Acho mesmo que, a rigor, quem decide sou eu. Semana próxima deverei receber também um tablet ou um smartphone, afinal, além de portáteis são completos e poderei levá-los, um ou outro, a qualquer lugar, inclusive às festinhas de aniversário de crianças, onde, pra matar o tempo, poderei adiantar algum serviço.

Às vezes penso em como tenho progredido na vida, sobretudo neste último emprego. Jamais sonhara com tantas regalias. Até o final do ano é certo que participarei de um curso de especialização na Flórida, com tudo pago pela empresa. Tenho aproveitado minhas horas de folga no começo da madrugada para aperfeiçoar o meu inglês com aulas pela internet, afinal, é a minha contrapartida a tudo o que a empresa vem fazendo por mim.

A cada dia são maiores as provas da minha importância para seu funcionamento. No meu setor, pouco se faz sem o OK final aqui do gerentão full-time. As mensagens e os e-mails, não fosse a constância com que os respondo, entupiriam as minhas caixas postais. Se, por qualquer razão (um cochilo na tarde do domingo) não atendo de pronto às indagações dos vendedores, meu chefe irrompe na tela para lembrar-me que esse cochilo pode significar milhares de reais não faturados pela empresa.

Talvez por isso estejam acenando com a possibilidade de colocarem um carro locado à minha disposição. Não faz tempo, fui perguntado sobre os modelos de minha preferência. Claro que chutei lá em cima: esportivo, ar, direção, navegação, som high-tech & coisa e tal. Ainda não deram resposta e desconheço se o presente virá com motorista. Prefiro que não, invadiria minha privacidade. De qualquer forma, pretendem, óbvio, que eu supervisione os interesses da firma in loco. É verdade que assim, nos finais de semana, não mais poderei permanecer em simples stand by ao lado da família. Contudo, há prova maior da consideração que a empresa tem por mim?


É o que vivo explicando para mulher e filhos que, sem visão empresarial, insistem nessa história de convívio familiar. Concordo que seja algo legal, mas enquanto dá certo. Todavia, considerando a minha carreira – vertiginosa, não se pode negar – sou forçado a priorizar outras coisas. É para o meu bem, para o bem da família e também da empresa a quem devo tudo na vida: traje social diário, almoços de negócio em bons restaurantes, smartphone, carro do ano, quilometragem free, destaque, bom salário, seguro-saúde, reuniões em resorts, cursos no exterior, viagens aéreas e milhas decorrentes – até de helicóptero já voei a serviço.

Tenho que me dedicar cada vez mais – eu sou a empresa, ela será o que eu e meus colegas decidirmos. Na verdade, muito mais o que eu decidir. Um dia, assim como já acontece no Japão, meus familiares irão compreender que ela, a empresa, precisa mais de mim do que eles. Se for imperativo que eu me mude para a minha sala de trabalho, saibam todos que mudarei sem hesitar – e não estarei fazendo nada mais do que a minha obrigação.

Autor: Jesus Guimarães é amigo e ex-prefeito da cidade e Tupã, no interior do estado de São Paulo, localizada a 520 quilômetros da capital, com uma população de 62.256 mil habitantes, segundo dados de 2007.

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