segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Análise de Indicadores Financeiros de uma Empresa (Estudo Comentado)

Um dos desafios da disciplina Finanças, chamada também Gestão Financeira, é a análise de indicadores financeiros. A idéia é que o aluno, de posse do demonstrativo de resultados e do balanço patrimonial, se coloque na posição de um analista e faça a avaliação financeira de uma empresa. Como veremos ao longo desse estudo comentado, o tema requer ampla capacidade analítica, boa capacidade de interpretação e muita atenção.
Enfatizando o processo de coleta de dados e o formato das demonstrações financeiras, Hendriksem e Van Breda (1999) afirmam que “a divulgação financeira deve fornecer informações que sejam úteis para investidores e credores atuais e em potencial, bem como para outros usuários que visem a tomada racional de decisões de investimento, crédito e outras semelhantes, as informações devem ser compreensíveis aos que possuem uma noção razoável dos negócios e das atividades econômicas e que estejam dispostos a estudar as informações com diligência razoável”. Para Matarazzo (1998), índice “[...] é a relação entre contas ou grupos de contas das demonstrações financeiras que visa evidenciar determinado aspecto da situação econômica ou financeira de uma empresa”. Assim, os indicadores constituem a metodologia de análise mais empregada e tem como objetivo fornecer uma visão ampla da situação econômico-financeira das empresas.
Dentro de nosso estudo comentado, os passos que vamos seguir são os seguintes: (a) Definir a empresa a ser estudada, (b) Coletar suas demonstrações financeiras, (c) Calcular os indicadores financeiros, e (d) Fazer a avaliação dos indicadores financeiros da empresa.

Empresa a ser estudada
A empresa escolhida para nosso estudo comentado chama-se Corporate (empresa fictícia), que atua no ramo de logística. A Corporate opera em todo o território nacional, sendo amplamente reconhecida no mercado por prestar bons serviços e ser capaz de tornar a cadeia de distribuição das organizações mais eficiente, reduzindo tempo e custos.
Para o estudante, a escolha de uma empresa é tão boa quanto a disponibilidade e clareza de seus dados e informações financeiras. Uma das fontes de consulta mais úteis é o site da Comissão de Valores Mobiliários - CVM (www.cvm.gov.br). Sugerimos também que depois de definida a empresa o estudante consulte o próprio site da mesma, com o objetivo de coletar seu balanço patrimonial e demonstrativo de resultados. Nos sites das empresas é possível encontrar, muitas vezes, o relatório de auditores independentes, geralmente contratados para avaliar o resultado dos negócios das organizações durante um trimestre, um semestre ou mesmo durante um exercício completo de doze meses. Esses relatórios são uma boa fonte de referência.

Coleta das Demonstrações Financeiras
Os relatórios financeiros que utilizaremos neste trabalho são os seguintes: Balanço Patrimonial e Demonstrativo de Resultados do Exercício (D.R.E.).
Os números, em moeda corrente, contidos no balanço patrimonial da empresa em foco permitiram a preparação da Tabela 1 apresentada abaixo:
...........................................................................
Ativo
Ativo Circulante: 1.508.000
Realizável de Longo Prazo: 43.000
Ativo Permanente: 8.000
Total do Ativo: 1.559.000
Passivo
Passivo Circulante: 780.000
Exigível de Longo Prazo: 80.000
Patrimônio Líquido: 699.000
Total do Passivo: 1.559.000
...........................................................................
Tabela 1: Balanço Patrimonial da Empresa Corporate - 2009.
Os valores contidos na tabela 1 correspondem a um exercício completo, portanto, aos 12 (doze) meses do ano de 2009.
No Brasil até 1968 a análise de balanço era pouco utilizada na prática, sendo justamente nesse ano a criação da SERASA, uma empresa que surgiu para operar como central de análise de balanços dos bancos comerciais (Matarazzo, 1998). De acordo com Viceconte (2001), a análise de balanço estuda a situação patrimonial da entidade, através da decomposição, comparação e interpretação do conteúdo das demonstrações contábeis, a fim de obter informações analíticas e exatas sobre a situação geral da empresa.
Mantendo a coerência, foi coletado o D.R.E (Demonstrativo de Resultados do Exercício) da empresa estudada para o ano de 2009, que permitiu a preparação da Tabela 2 que mostramos a seguir:

Receita Bruta 975.000
(-) Tributos sobre Vendas -200.000
(=) Receita Líquida 775.000
(-) Custos -340.000
(=) Lucro Bruto 435.000
(-) Despesas Administrativas -95.000
(-) Despesas de Vendas -106.000
(-) Despesas Gerais -6.000
(-) Depreciação -16.500
(-) Despesas Financeiras -10.000
(+) Receitas Financeiras 1.000
(=) Lucro Antes do Imposto de Renda (LAIR) 202.500
(-) Imposto de Renda (IR) -18.000
(=) Lucro Líquido 184.500
...........................................................................
Tabela 2: D.R.E. da Corporate para o ano de 2009

Considerações referentes ao D.R.E.
O D.R.E, é um padrão de demonstração de resultados da contabilidade brasileira. Os campos que aparecem do lado esquerdo da tabela do D.R.E. são chamados contas. Dessa forma, temos a conta Receita Bruta, a conta Tributos sobre Vendas e assim por diante. Mesmo sendo padronizado, são notadas algumas diferenças nos nomes de algumas dessas contas. As contas que são encontradas sem qualquer dificuldade na maioria das tabelas de D.R.E. são as seguintes: Receita Bruta, Tributos sobre Vendas (ou Impostos sobre Vendas), Receita Líquida, Custos (ou Custos dos Produtos Vendidos), Lucro Bruto, Depreciação, Despesas Financeiras, Receitas Financeiras, Lucro antes do Imposto de Renda (ou LAIR), Imposto de Renda e Lucro Líquido (ou Lucro Operacional Líquido). As contas menos óbvias da tabela do D.R.E. são aquelas referentes as despesas (Administrativas, de Vendas e Gerais). Como veremos nos capítulos seguintes, o cálculo dos indicadores financeiros depende da seleção correta da soma dessas contas de despesas.

Transformando o D.R.E. numa tabela adotada pela Contabilidade Gerencial
A contabilidade gerencial utiliza as mesmas contas do D.R.E. agrupadas de forma diferente, e introduz os indicadores EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization), ou LAJIDA (Lucro antes dos Juros, Imposto de Renda, Depreciação e Amortização) e o EBIT (Earnings Before Interest and Taxes), ou LAJIR (Lucro antes dos Juros e Imposto de Renda).
Segundo Vasconcelos (2002), “[...] existe uma tendência por parte dos analistas em recomendar negócios com empresas que apresentam EBITDA positivo, afinal quanto maior a geração de recursos via operações da empresa, mais atrativo é o negócio, especialmente quando comparamos o indicador absoluto com o volume de investimentos operacionais”.
Tendo isso em mente, podemos agora transformar o D.R.E. da contabilidade brasileira no demonstrativo de resultados da contabilidade gerencial, como mostrado na Tabela 3 abaixo. Note que as contas Despesas Administrativas, Despesas de Vendas e Despesas Gerais foram agrupadas.

Receita Bruta 975.000
(-) Tributos sobre Vendas -200.000
(=) Receita Líquida 775.000
(-) Custos -340.000
(=) Lucro Bruto 435.000
(-) Despesas (Administrativas, de Vendas e Gerais) -207.000
(=-95.000-106.000-6.000)
EBITDA (LAJIDA) 228.000
(-) Depreciação -16.500
EBIT (LAJIR) 211.500
(-) Despesas Financeiras -10.000
(+) Receitas Financeiras 1.000
(=) Lucro Antes do Imposto de Renda (LAIR) 202.500
(-) Imposto de Renda (IR) -18.000
(=) Lucro Líquido 184.500
.........................................................................
Tabela 3: Demonst. de Resultados na Contabilidade Gerencial

Cálculo dos Indicadores Financeiros
Neste capítulo serão feitos os cálculos dos indicadores financeiros para esse estudo comentado, deixando para o capítulo seguinte a análise dos mesmos. Vale a recomendação para o estudante ter muita atenção e evitar erros indesejáveis.
Inicialmente podemos verificar que os indicadores EBITDA, EBIT e Lucro Líquido já aparecem como resultado do demonstrativo de resultados mostrado anteriormente. A tabela considera que:
EBITDA = Lucro Bruto – Despesas (administrativas, de vendas e gerais)
EBIT = EBITDA – Depreciação
LAIR = EBIT – Despesas Financeiras + Receitas Financeiras
Lucro Líquido = LAIR – IR
Além do EBITDA e EBIT, vamos calcular os seguintes indicadores de rentabilidade: ROI, ROE, Margem Líquida, Giro do Ativo, NOPAT e EVA.
Retorno sobre o Investimento ou ROI (Return on Investment)
ROI = Lucro Líquido/Total do Ativo = 184.500/1.559.000 = 0,118 ou 11,8%.
Retorno sobre o Patrimônio Líquido ou ROE (Return on Equity)
ROE = Lucro Líquido/Patrimônio Líquido = 184.500/699.000 = 0,264 ou 26,4%.
Margem Líquida
Margem Líquida = Lucro Líquido/Vendas = 184.500/775.000 = 0,238 ou 23,8%. Note que o parâmetro Vendas é igual a conta Receita Líquida.
Giro do Ativo
O Giro do Ativo indica a eficiência com a qual a empresa usa seus ativos para gerar vendas. Em outras palavras, quanto maior é o Giro do Ativo, maior a eficiência. Se o valor do indicador Giro do Ativo é igual a 1, isso significa que a empresa leva 1 ano para girar seus ativos. Da mesma forma que se o valor do indicador Giro do Ativo é igual a 2, isso significa que a empresa gira seus ativos duas vezes em um ano. Assim sendo, temos: Giro do Ativo = Vendas/Total do Ativo = 775.000/1.559.000 = 0,5.

Calculando o ROI pela Fórmula de Dupont
ROI = Margem Líquida x Giro do Ativo = 23,8% x 0,5 = 11,8%.
Lucro Operacional Líquido Após os Impostos ou NOPAT (Net Operating Profit After Taxes)
NOPAT = EBIT – IR = 211.500 – 18.000 = 193.500
Valor Econômico Adicionado ou EVA (Economic Value Added)
O EVA é o valor do lucro após se descontar o custo do capital próprio. Assim sendo, temos a seguinte fórmula: EVA = Lucro Líquido – Custo do Capital Próprio
Para calcular o Custo do Capital Próprio (CCP) vamos adotar um valor percentual K a ser multiplicado pelo Patrimônio Líquido da empresa. Este valor percentual K pode ser calculado pela seguinte relação:
K = Taxa Selic + Beta (Taxa Ibovespa – Taxa Selic), onde o fator Beta indica o nível de risco da empresa nas condições vigentes do mercado. O fator Beta das empresas pode ser encontrado no seguinte site: http://comdinheiro.com.br/ , na tabela de “Indicadores de Risco de Mercado” da empresa selecionada.
Para o nosso exemplo, vamos considerar em 2009 a Taxa Selic igual a 10,5% ao ano, a Taxa Ibovespa igual a 20% ao ano, e o fator Beta igual a 0,94. Assim temos:
K = 10,5 + 0,94(20 – 10,5) = 10,5 + 8,93 = 19,43%. Isso nos leva ao valor de CCP = 19,43% x 699.000 = 135.816. E, consequentemente, a um EVA = 184.500 – 135.816 = 48.684.
Finalmente, vamos calcular os indicadores de endividamento da empresa em foco. Nesse estudo comentado serão considerados os indicadores IEG (Índice de Endividamento Geral) e ICJ (Índice de Cobertura de Juros).
IEG = (Passivo Circulante + Elegível de Longo Prazo) / Total do Ativo IEG=(780.000 + 80.000) / 1.559.000 = 0,552 ou 55,2%.
O endividamento saudável é aquele que ocorre quando a empresa recorre a dívidas com terceiros para aplicações produtivas que deverão gerar recursos para saldar o compromisso assumido. Por outro lado, se as dívidas servem para pagar outras dívidas, numa base de empréstimos sucessivos que não geram recursos, isso pode levar a insolvência e até mesmo a falência da empresa.
ICJ = EBIT/Juros = 211.500/9.000 = 23,5
Para obter o parâmetro Juros devemos considerar a soma das contas Despesas Financeiras e Receitas Financeiras. Assim o parâmetro Juros é igual a 9.000 para o caso estudado.

Análise dos Indicadores Financeiros
Vamos iniciar esta análise pelo ROI, que indica que o retorno sobre o investimento na organização foi de 11,8%, ou seja, o lucro líquido correspondeu a 11,8% do total do ativo. Se comparado a Caderneta de Poupança - um investimento de muito menor risco e com rendimento anual em 2009 de 7,05% - o retorno sobre o investimento da Corporate pode ser considerado apenas razoável. O ROE mostrou que os acionistas tiveram um lucro de 26,4% sobre os valores investidos. O indicador EBITDA significa que a empresa apresentou fluxo de caixa operacional de R$228.000,00 (dinheiro gerado na operação). O EBIT corresponde ao lucro operacional, determinando que a empresa é lucrativa operacionalmente gerando R$211.500,00. O valor do NOPAT demonstra que o lucro operacional após os impostos é de R$193.500,00. O resultado do indicador EVA mostra que a empresa obteve um valor agregado de R$48.684 mesmo descontando o custo do capital próprio.
Com respeito aos indicadores de endividamento IEG e ICJ, podemos comentar o seguinte: o IEG mostra a percentagem de recursos fornecidos pelos credores (dívidas de curto e de longo prazo), também chamado de grau de alavancagem. No caso da empresa em foco o grau de alavancagem é de 55,2%. Por sua vez, o ICJ mede a folga de resultado operacional para o pagamento de juros. No caso em estudo, o resultado operacional (também chamado de lucro operacional), representado pelo EBIT é 23,5 vezes maior que os juros a serem pagos no período, indicando uma boa folga de geração de recursos para a cobertura de juros.

Conclusões
Pela análise dos indicadores financeiros referentes ao exercício de 2009, verificamos que a empresa Corporate apresentou um desempenho financeiro razoável, obtendo um retorno sobre o investimento de 11,8% e uma margem líquida de 23,8%. Isso significa que a cada R$100 vendidos, R$23,80 converteram-se em lucro. Apesar disso, o indicador giro do ativo de apenas 0,5 mostrou que a empresa pode ser mais eficiente no uso de seus ativos, uma vez que quanto maior é o giro do ativo, maior a eficiência. A empresa estudada apresentou valores significativos para os indicadores fluxo de caixa operacional (EBITDA) e lucro operacional (EBIT) de, respectivamente, R$228.000,00 e R$211.500,00, e um lucro operacional líquido R$184.500,00.
Um grau de alavancagem de 55,2%, com a maior parte da dívida concentrada em compromissos de curto prazo (Passivo Circulante), deve ser considerado como próximo do limite saudável. Assim sendo, recomenda-se que esse indicador não se eleve mais, para não dificultar o levantamento de novos financiamentos, ou pressionar a capacidade de geração de caixa da empresa, já que – se esse indicador aumentar - grande parte do lucro será usado para pagar juros e o principal de dívidas assumidas. Finalmente, ainda com respeito aos indicadores de endividamento, vale mencionar que a folga de resultado operacional para o pagamento de juros (ICJ = 23,5) encontra-se em um bom patamar.

Referências Bibliográficas
HENDRIKSEN, É. e VAN BREDA, M. Teoria da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999.
MATARAZZO, D. Análise Financeira de Balanço, Abordagem Básica e Gerencial, São Paulo: Atlas 1998.
VASCONCELOS, Y. Revista Brasileira de Contabilidade, Brasília, ano 31, n. 136, p.38-47, jul./ago. 2002.
VICECONTI, P. , NEVES, S. Contabilidade Avançada e Análise das Demonstrações Financeiras. São Paulo: Frase, 2001.

Comissão de Valores Mobiliários – CVM; link: http://www.cvm.gov.br/
Site ComDinheiro; link: http://comdinheiro.com.br/

2 comentários:

  1. Olá Prof. Haroldo!

    Obrigado por sua aula nesse estudo de caso.

    Fiquei com uma dúvida sobre o cálculo do seu EBITDA.

    Vi num livro o seguinte exemplo:

    Lucro Operacional 56.445
    Despesas Fin. Líq. 6.555
    EBIT 63.000
    Depreciação 9.000
    EBITDA 72.000

    Esse método não bate com o seu...
    poderia me indicar onde está o problema?
    Agradeço,
    Francisco
    prof.faraujo@gmail.com

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    1. Olá Francisco,
      Na verdade não há qualquer diferença no cálculo do post e na cálculo que vc apresentou acima. Na verdade, a ordem do calculo que vc mostrou está no sentido do calculo está invertido. Note que o seu exemplo parte do lucro operacional de 56.445, que não inclui o IR (imposto de renda).
      Esse lucro operacional é, portanto, o LAIR. Somando ao LAIR as despesas financeiras (pq no seu exemplo não há receitas financeiras), vc encontra o EBIT. Somando ao EBIT a depreciação, vc encontra o EBITDA. Como vc pode ver, é igualzinho ao calculo apresentado no post, apenas em sentido oposto. As definições são exatamente as mesmas.
      Espero que isso seja útil para você.
      Saudações,
      Prof. Haroldo Simões

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